Ponto 12 – Defesa da Cultura

A Cultura inclui as várias formas de expressão de um povo, bem como os seus costumes, celebrações, rituais, moral, crenças, valores, leis, conhecimento, arte, capacidades, comportamento social, forma de viver e até mesmo o modo como se entende a si mesmo e ao mundo. É um património imaterial que evolui constantemente e que constitui a identidade colectiva de toda a comunidade.

Compete ao Estado, promover e valorizar o património cultural do povo português. A democratização da Cultura é tarefa sua, esperando-se que sobretudo o Ministério da Cultura a mantenha sempre no horizonte, em colaboração com as autarquias, os órgãos de comunicação social, as fundações, associações e coletividades de fins culturais, bem como outros agentes, que tenham por objectivo preservar e dinamizar o património cultural.

O interesse que o Estado tem dedicado a esta área, evidencia uma redução gradual ao longo dos anos. Vincam-se assimetrias entre as várias regiões do país, num caminho que coloca o acesso aos bens culturais cada vez mais como um luxo, quando ele é um direito de todos os cidadãos. Quer se considere a fruição quer a criação, os meios de ação cultural encontram-se cada vez mais reservados aos que podem, escapando ao alcance dos que não podem.

A aquisição de um instrumento musical, por exemplo, é um investimento só possível para alguns, os materiais de pintura não estão acessíveis a muitos, tal como os outros, relacionados com as diversas expressões artísticas. Que dizer, então, de concertos em palácios, divulgados por convite, num pedantismo pago pelos contribuintes, onde apenas uns escolhidos têm entrada?

Com vista ao exercício da fruição e criação cultural, consagradas na Constituição:

a) Exigimos um investimento imediato justo, de forma a acautelar a continuidade dos vários meios de ação cultural. Os incentivos devem incidir na manutenção das tradições mais relevantes da nossa cultura, com margem para as evoluções que surgem numa área dinâmica e em constante mutação. Não podem circunscrever-se às indústrias que promovem material cultural, cujo objectivo é a obtenção de lucro, embora não as devam excluir. Aqui se inclui a música, a rádio, o cinema, a edição de livros ou outros produtos de entretenimento, sendo que a televisão e alguma imprensa já foram contempladas, em nítido privilégio;

b) Exigimos a efetivação célere da revisão do modelo de apoios às artes e Cultura, concorrendo para estimular a criação artística sem torná-la dependente de apoios;

c) Exigimos a proteção dos artistas e dos vários intervenientes na área cultural, sem discriminação dos que acumularam dívidas fiscais e à segurança social, por força de uma atividade intermitente nas receitas, mas constante nos encargos. Nada pode ser mais indigno, do que abandonar à miséria quem nos tem proporcionado alegria, bem-estar e convívio social, e que de repente ficou sem meio de poder sobreviver, sem qualquer aviso prévio;

d) Exigimos a redução do IVA nos materiais artísticos, assim como os bilhetes de entrada em museus, exposições, festivais, espetáculos e outros eventos culturais. Entenda-se que o Estado deve investir na Cultura, mais do que lucrar com ela. Tratando-se de uma área essencial ao indivíduo e ao coletivo, é como bem essencial que tem que ser tratada em termos fiscais;

e) Exigimos um real investimento no ensino, decorra ele em associações, fundações ou coletividades de fim cultural e nas escolas oficiais. Dirigido a todas as idades, em todo território nacional continental e regiões autónomas. É através da criação e fruição do património coletivo que se molda o cunho de coesão que permitirá valorizar o bem comum, ao ponto de um dia a cultura se poder tornar auto-sustentável. Não se chega à meta sem percorrer o caminho.

Chegámos a um ponto de ruína em que, ou revertemos urgentemente o paradigma, ou perdemos o que resta de vez.

Se perdermos, nas várias regiões, a atividade de indivíduos e grupos que têm garantido a continuidade e desenvolvimento do teatro; da dança, seja ela erudita ou popular; da gastronomia; das feiras e arraiais; das bandas e das orquestras; dos grupos corais e das guitarradas; das tertúlias e dos festivais; quem fica para passar o testemunho adiante?

As crianças estão reduzidas à tecnologia, num entretenimento virtual que é um ataque à criatividade, precisamente o que elas têm de mais genuinamente seu.

Um dia, como faremos para lhes explicar o que eram os palhaços, os trapezistas, os malabaristas e afins, sem o cheiro e o calor de uma tenda de circo? O circo é magia, e a magia é Cultura. Não pode morrer! Matar a Cultura de um povo é amputar um canal fundamental de preservação da memória coletiva e de expressão criativa, sanadora, e reguladora da natureza humana.

“Falta cumprir-se Portugal!”, disse Pessoa. E desde então, o brilho se mantém sem luz.

“Tudo é incerto e derradeiro.

Tudo é disperso, nada é inteiro.

Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a hora!”